
Mais de cinco anos após a tragédia que tirou a vida de dez jovens atletas das categorias de base do Flamengo, o caso volta aos holofotes com revelações impactantes nos autos do processo movido por familiares das vítimas. Uma série de inconsistências, omissões e supostas coincidências reforçam a sensação de que a busca por justiça ainda está longe de uma conclusão transparente.
Depoimentos sob suspeita e nomeações questionadas
Em um dos trechos mais contundentes do processo, um representante da família de Christian Esmério, uma das vítimas, levanta dúvidas sobre a condução da investigação durante a fase de instrução. O advogado afirma que os garotos não deveriam estar no local na noite do incêndio:
“Não digo que é uma fatalidade, mas é importante vocês irem lá no processo e avaliarem o que aconteceu na instrução. Os atletas da base do Flamengo já estavam fora das instalações do clube, isso está comprovado, e ninguém sabe por que eles voltaram”, disse.
Outro ponto alarmante envolve o depoimento de um delegado que conduziu parte das apurações. Segundo a acusação, ele teria colhido o depoimento de um parente que trabalhava no Flamengo sem incluir a oitiva nos autos. Uma semana após o ocorrido, o mesmo parente foi nomeado para um cargo de alto escalão, apesar de nunca ter exercido função semelhante antes. A sequência de eventos é descrita no processo como uma “série de coincidências que explicam muita coisa”.
Irregularidades ignoradas antes do incêndio
Durante os dois últimos anos da gestão de Eduardo Bandeira de Mello, o Flamengo acumulou cinco multas relativas à irregularidade dos contêineres utilizados como alojamento, segundo consta no processo judicial. Os problemas vinham se arrastando desde 2017, quando um edital de interdição havia sido emitido.
A Prefeitura do Rio confirmou que o clube somava quase 30 autos de infração por funcionamento sem alvará, além de não possuir licenciamento adequado para hospedar menores de idade nas instalações.
Essas autuações apontam para uma negligência sistemática, tanto do clube quanto dos órgãos fiscalizadores, que falharam em agir preventivamente para evitar a tragédia.
O incêndio e suas consequências
Na madrugada de 8 de fevereiro de 2019, um incêndio devastou o alojamento da base rubro-negra, no Ninho do Urubu, em Vargem Grande. A estrutura era composta por contêineres adaptados — uma solução improvisada que já havia sido alvo de críticas e notificações.
O fogo teve origem em um aparelho de ar-condicionado defeituoso. Dez adolescentes morreram e outros três ficaram feridos. As vítimas, todas entre 14 e 16 anos, estavam entre os maiores talentos da geração que sonhava com o estrelato no futebol brasileiro.
O episódio gerou comoção nacional e expôs falhas estruturais, administrativas e legais na condução da formação de jovens atletas.
Flamengo e a batalha judicial
Desde o incêndio, o Flamengo adotou posturas distintas nas negociações com as famílias. Enquanto alguns acordos foram firmados extrajudicialmente, outros seguem em disputa nos tribunais. O caso de Christian Esmério é um dos mais emblemáticos, tanto pela falta de acordo quanto pelas revelações recentes no processo.
A gestão atual do clube, presidida por Rodolfo Landim, tem evitado comentar diretamente os novos desdobramentos. Internamente, o clube alega já ter investido em melhorias na estrutura e buscado indenizar as famílias, mas a postura jurídica em algumas ações é vista como insensível por parentes e pela opinião pública.
Justiça e memória
Mais do que reparações financeiras, os familiares exigem justiça. As novas informações sobre omissões, interferências e irregularidades reforçam a percepção de que as mortes poderiam ter sido evitadas.
A tragédia do Ninho do Urubu segue como uma ferida aberta no futebol brasileiro — não apenas pela dor da perda, mas pela sensação de impunidade e falta de responsabilidade concreta.